Os agrupamentos humanos que temporariamente coabitam certos ambientes, ditos corporativos tendem a presumir a existência de amizade duradoura ou, imaginariamente, permanente. As pessoas, no ambiente de trabalho ou estudo, são unidas pelo compartilhamento das dificuldades comuns e, ao mesmo tempo, separadas pela concorrência e isoladas nas dificuldades pessoais individuals. Ali são raras as manifestações individuals de solidariedade. A palavra “amigo” nem sempre corresponde a uma realidade social aparente.
Lembro que nas Forças Armadas a palavra mais usada para exprimir esse tênue traço de união é CAMARADA – termo que eu repudiava por vê-lo associada ao modo de tratamento dos membros do partido único da URSS. Igualmente repudiava a palavra COMPANHEIRO, muito usada entre guerrilheiros, sindicalistas, militantes partidários e membros de facções. Mas, quando termina o ciclo de convivência, o que perdura?
No nosso caso de EPEFIANOS (Alunos que passaram pela Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza) vivemos também um ciclo de “Amizade Corporativa”. Unidos pelas dificuldades comuns e separados pela mútua concorrência, estimulados pela competição, desapegados nas dificuldades individuais. Nestas éramos sistematicamente contemplados com o traditcional “TE VIRA”. A nossa luta pela melhor classificação, pela melhor apresentação, pela superação na busca de “ ser melhor “ e, quem sabe, “o melhor”.
Aqueles foram os primeiros pressupostos divisionistas a castrar a “amizade corporativa”. Depois, na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), a divisão pela escolha das Armas e Serviços acentuou um distanciamento real. E no curso da nossa perigrinação, novos valores agregados, formação familiar, conquistas, oportunidades, status e papeis por cada um desempenhados…tudo conspirou para o nosso desapego sentimental.
Poucos tiveram a oportunidade de preservar relações sociais e acompanhar de perto a vida dos “amigos corporativos”.
Já na comemoração dos 10 anos, dei-me conta de que os ex-colegas estavam ali muito mais focados nas lembranças do ambiente outrora coabitado e lembranças de episódios pontuais vividos, do que nas relações interpessoais do momento.
Hoje, decorridos mais de sessenta anos do termino do nosso ciclo corporativo na E.P.F. (Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza) não me surpreende que tenhamos dificuldades em trazer para o diálogo em rede social, antigos colegas que em nossas mentes seriam “amigos para sempre”. Na realidade são apenas conhecidos encontrados numa parte do caminho.
Talvez eu esteja pessimista. Mas é como percebo essa questão.
Prezado companheiro Geraldo Silva
Muito interessante e oportunas suas considerações sobre amizade cooperativa. Ela está bem presente na vida da caserna, como você disse. Infelizmente, tendemos a confundí-la com a amizade devotada a outra pessoa. E, muitas vezes, usando do poder do corporativismo, procuramos forçar comportamentos e laços afetivos que, na maioria das vezes, não existem. Outra característica da amizade corporativa é a fixação de preconceitos relacionados às pessoas, fruto do convívio diário exigido por algumas atividades profissionais. Dizemos que fulano é “grosso”, sicrano é o “único capaz de realizar determinada tarefa”, o outro “não quer nada com a vida” e assim por diante. Passam-se os anos, as pessoas se modificam, mas continuamos a enxergar o companheiro com o mesmo atributo de décadas atrás. É cômodo e seguro para o corporativismo não admitir mudanças. É fácil de lidar. Parece que tememos perder a segurança que a posição nos proporciona. É uma maldição!
Pertencemos à mesma turma, somos solidários em relevantes aspectos exteriores, como também irmanados pela natureza do trabalho que realizamos no Exército, aliado ao convívio e a disciplina a que fomos submetidos.
A coesão profissional existente, típica da amizade corporativa, é assegurada pelas missões cumpridas juntos, pelos objetivos traçados pela Organização Militar que pertencemos, e ainda, amparada pelo esforço anônimo e abnegado dos companheiros.
Claro que tudo isto é diferente da amizade entre indivíduos. O termo “amigo” pressupõe uma relação igualitária entre duas pessoas, ligadas através do respeito, simpatia, empatia, solidariedade e até mesmo compaixão.
Acontece, quando sentimos falta de alguém para nos ajudar e ser ajudado,e mais ainda, trocar sonhos, idéias e propósitos de vida, ou simplesmente ficar juntos. As palavras, muitas vezes, são supérfluas. Bastar sentir a presença do outro, de modo não necessariamente físico, para usufruir do apoio necessário ante as vicissitudes da vida.
Claro que a amizade ocorre entre militares, como um produto de afinidades pessoais e mesmo da convivência diária em escolas e quartéis. Aconteceu com muitos de nós, viventes e ex- alunos da EPF. Obviamente não deve ser medida pelos “diálogos das redes sociais”, mas pelo sentimento comum, que procura através de relacionamentos sadios e produtivos entender o outro.
O passado foi o vivido, o futuro uma incerteza, o que interessa é a fraterna comunhão partilhada no agora. Sem cobrança nem compromissos. É isto que faz os verdadeiros amigos.
Al 103 – ALCÂNTARA- 1ª Cia da EPF
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